O problema da endogamia é recorrente em todas as criações em que ocorre seleção para alguma característica desejada. Atribui-se a ela a redução da produção leiteira e da eficiência reprodutiva, além de favorecer o aparecimento de problemas hereditários.
Dizem que todo o rebanho Holandês do mundo descende de um conjunto reduzido de reprodutores (uma dezena de animais). O mesmo ocorre no Nelore.
A atividade de seleção usa como matéria prima a variabilidade genética existente na população. Porém acaba por reduzir essa variabilidade. Isso ocorre porque, depois de identificar indivíduos superiores, o homem procura reproduzí-los de forma mais intensiva, os seus genes são assim passados para a geração posterior em uma proporção maior do que o normal. Os indivíduos inferiores são privados de reproduzir, e como consequência os seus genes não são passados para a geração seguinte. Esse é o princípio básico da seleção com foco em alguma característica desejada, seja econômica ou racial.
Falando em termos de Gir Leiteiro, todo mundo quer ter filhos do Sansão, do Vaidoso, do Jaguar, enfim dos touros líderes do Teste de Progênie. Eles já foram identificados como superiores para leite, através de um critério científico. É natural que sejam utilizados de forma intensiva.
Mesmo considerando toda a população de Gir do Brasil (Leiteiro, Padrão, dupla aptidão, etc), o risco da endogamia é alto. Isso ocorre por duas razões fundamentais: o relativo pequeno número de animais importados da Índia no século passado e a quase extinção da população de gado Gir nas décadas de 70 e 80, em decorrência da seleção equivocada para características exclusivamente raciais. Vem dessa época a concepção, ainda arraigada em técnicos, produtores de leite e alguns giristas, de que o Gir só contribui com rusticidade na formação do Girolando. Rebanhos inteiros de Gir foram cruzados com touros Holandeses, perdendo-se para sempre esse valioso patrimônio genético.
Tive oportunidade de ler um artigo técnico que analisava o tamanho da população e o grau de endogamia do Gir brasileiro, tomando-se por base os registros genealógicos da ABCZ nas décadas de 70, 80 e 90 do século passado. A situação era alarmante. A população de Gir era classificada como "em risco de extinção". Felizmente a situação tem melhorado, pela grande aceitação do Gir Leiteiro e pela possibilidade de aumentar a população através dos animais LA. Aliás, essa questão dos animais LA merece um outro artigo, visto que alguns criadores defendem a sua proibição.
Analisando os 30 primeiros colocados no teste de progênie da Embrapa/Abcgil, sou capaz de identificar pelo menos 7 famílias diferentes, sem contar as "meias" famílias, a família do Radar dos Poções (tão valorizada), a família do FB Cadarso, e outros touros antigos que foram usados na formação do rebanho atual e que ainda poderiam ser utilizados de forma pontual (nessa categoria coloco o Vale Ouro de Brasília, o Naidu, o Panamá dos Poções, o Uaçaí Jaguar, e muitos outros). Os criadores têm que aprender a trabalhar com várias linhagens e não restringir os acasalamentos a poucos touros que estão na moda. Os verdadeiros selecionadores, que têm compromisso com a raça, praticam essa medida tão salutar.
O corpo técnico da ABCGIL adotou mudanças importantes no Teste de Progênie visando a redução do risco da endogamia: abertura de vagas para touros de pedigree aberto, restrição quanto ao número de tourinhos descendentes de determinados reprodutores e matrizes de destaque, além da incorporação de rebanhos criados exclusivamente a pasto. São medidas que estão na direção correta, permitem vislumbrar um caminho sustentável para a raça.
O teste de progênie da GirGoiás também contribui para reduzir o risco momentâneo da endogamia. Novas linhagens estão sendo testadas para a característica produção de leite. Há boa chance de que algumas delas sejam aprovadas nesse quesito. Aumenta o número de famílias, aumenta o número de opções de acasalamento. Há um alívio na endogamia, mas não resolve e nem poderia resolver o problema em definitivo. É fácil perceber que essas linhagens "alternativas" com PTA positivo serão usadas com maior intensidade e, no futuro, também poderão gerar endogamia. O número de linhages do Gir brasileiro é finito, não há como encontrar linhagens "alternativas" indefinidamente.
A grande contribuição do teste de progênie da GirGoiás deverá ser a descoberta de linhagens leiteiras que estavam esquecidas e o engajamento de criadores de Gir que estavam alijados do processo de seleção para leite.
Concluindo, a endogamia não é um defeito do Gir Leiteiro, como alguns apregoam. É uma decorrência da efetividade da seleção aplicada até agora e da base genética restrita que serviu de matéria-prima para o trabalho. Os criadores de Gir precisam aprender a selecionar para leite, buscando caracterização racial, eficiência reprodutiva e baixa endogamia. Um baita desafio não acham ??
Grato,
José Luiz Costa
Fazenda Gramado
Corumbá de Goiás - GO
2 comentários:
Muito bom!
José Luiz, que bom que resolveu participar ativamente desse debate. Parabéns! O seu plantel parece ser mais um exemplo da importância do Gir LA. Precisamos esclarecer definitivamente sobre a importância da manutenção de registros de animais LA. Caso fosse extinta essa categoria, teríamos uma significativa redução nas opções de acasalamentos, agravando ainda mais o problema da endogamia. São vários os animais PO que não se enquadram no padrão racial do Gir e a multiplicação dos mesmos constituiria um verdadeiro “desastre” para o futuro da raça. A multiplicação deve ser feita a partir de animais “superiores” tanto no padrão racial quanto na produtividade. Concordo que o desafio é grande, mas com ações como a implantação do Programa Nacional de Melhoramento Genético das Linhagens Alternativas da Raça Gir que está sendo implantado em Goiás podemos adiar um problema maior e ao mesmo tempo ganharmos tempo para outras providências.
Abraços,
Ramilton Javiktson da Silva Rosa
Estância Prisma - Edealina – GO.
Prezado Ramilton,
Valeu pelas suas palavras. Pretendo escrever um artigo sobre Gir LA em breve.
Um abraço e feliz Natal
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